[homenagem] Lia Rodrigues | Cadernos de Criação

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[homenagem] Lia Rodrigues | Cadernos de Criação

30 anos da Lia Rodrigues Companhia de Danças (Brasil/RJ)

Data e hora

02/10/21—10/10/21

Recomendação etária: 16 anos

No âmbito da covid-19, e a convite do teatro HAU Hebbel am Ufer, na Alemanha, a carioca Lia Rodrigues Companhia de Danças burilou um modo de processar o caminho percorrido em três décadas e em pleno marco das tantas emergências planetárias. O trabalho sobre a memória e o enfrentamento das incertezas do presente foram como que inventariados à maneira de cadernos elaborados a partir de procedimentos audiovisuais e difundidos na plataforma virtual do espaço berlinense no semestre passado. Agora, a Bienal Sesc de Dança os apresenta no Brasil por meio da Plataforma Sesc Digital.

São prospectados os universos poético, político e artístico, numa colagem de ensaios, apresentações, inspirações, imagens, fotografias e depoimentos.

Em dois episódios sobressaem a abordagem das sequelas da crise sanitária e a mobilização das lideranças do Complexo da Maré (RJ), onde a companhia está sediada desde 2004, no Centro de Artes da Maré, em parceria com a organização Redes da Maré. Elo incrementado ainda pela colaboração em ações artístico-culturais na Escola Livre de Dança da Maré.

A favela abriga cerca de 140 mil habitantes – maior que 80% das cidades brasileiras. Nesse território, as injustiças sociais tornaram os efeitos da pandemia ainda mais devastadores, incidindo sobre o dia a dia da companhia, como se dará a ver.

Os demais cadernos interagem com obras do repertório ensaiadas em 2019 e programadas para 2020, a propósito dos 30 anos do núcleo artístico – mas toda a agenda foi suspensa, como sabemos.
São elas: Aquilo de que Somos Feitos, Formas Breves, Pindorama, Para que o Céu Não Caia e Fúria.

A seguir, a sinopse de cada volume escrito pela companhia.

Caderno Covid-19
De março de 2020 a janeiro de 2021 a companhia se manteve em atividade com encontros virtuais de conversas, aulas e leituras. Fizemos também algumas experiências de diálogo com os trabalhos do repertório que iríamos apresentar em 2020.

No Brasil, estamos vivendo um dos momentos mais terríveis da história recente do país. A crise sanitária provocada pela covid-19 expõe as circunstâncias precárias em que vive a maioria dos brasileiros, com a profunda desigualdade social e violação dos direitos humanos que marcam o passado e o presente do nosso país. Muitas vidas estão em ameaça constante: da população negra e indígena, da população trans LGBTQIA+, das mulheres.

Em 2020, com a celebração dos 30 anos da Companhia Lia Rodrigues, havia uma agenda muito intensa de apresentações, mas tudo precisou ser cancelado. Entretanto, a companhia pôde contar com a solidariedade e o apoio de seus parceiros na Europa e no Brasil para poder fazer sobreviver durante todo o ano, além da manutenção do Centro de Artes da Maré e da Escola Livre de Dança da Maré, projetos desenvolvidos em parceria com a Redes da Maré.

Caderno Maré
A Redes da Maré é uma organização da sociedade civil que promove a construção de uma rede de desenvolvimento sustentável voltada para a transformação estrutural da favela da Maré, uma das maiores do Rio de Janeiro. Com 140 mil habitantes em condições socioeconômicas extremamente difíceis, ela é maior que 80% das cidades brasileiras. É um local vibrante, com forte tradição de ativismo e auto-organização, rico em eventos populares, produções artísticas e com um comércio efervescente. Em 2004, Lia Rodrigues mudou as atividades da companhia de dança para o Complexo da Maré, onde vem desenvolvendo projetos artísticos e pedagógicos desde então.

Em 2009 nasceu o primeiro projeto resultante da parceria da companhia com a Redes da Maré. Um galpão abandonado foi o pontapé inicial para a criação do Centro de Artes da Maré, um lugar com diversos projetos culturais e sociais, que é também sede da companhia e onde são realizadas pré-estreias e temporadas das criações. Em 2011, outro projeto nasceu: a Escola Livre de Dança da Maré, combinando aulas livres de dança e atividades socioculturais para cerca de 300 estudantes de todas as idades. Além disso, um grupo de 16 jovens recebe uma formação continuada em dança.

No contexto da covid-19, desde março de 2020 o Centro de Artes da Maré foi totalmente ocupado com alimentos, garrafões de água, produtos de higiene e limpeza e Equipamentos de Proteção Individual (EPI) para doação a 17 mil famílias da região que vivem em extrema pobreza. A iniciativa fez parte da campanha “Maré diz NÃO ao Coronavírus”, da qual muitos alunos da Escola Livre de Dança da Maré foram voluntários. Das favelas emergem coragem, habilidade de cooperação, soluções inventivas e esperança. Este caderno traz imagens do processo de construção do Centro de Artes da Maré de 2009 até os dias de hoje, além da história da Escola Livre de Dança da Maré.

Caderno Aquilo de que Somos Feitos
Depois de três anos (1994 a 1997) trabalhando com projetos em torno do artista e intelectual brasileiro autor de Macunaíma, Mário de Andrade, em 1998 a coreógrafa Lia Rodrigues foi convidada para, com sua companhia, criar uma performance para a abertura da retrospectiva da obra de Lygia Clark, no Rio de Janeiro.

A essa experiência se juntaram as comemorações dos 500 Anos do Descobrimento do Brasil, em 2000. Enquanto o governo celebrava a chegada dos portugueses ao país, dentro de uma perspectiva histórica eurocêntrica, outras vozes contestavam a versão da descoberta, considerando que o Brasil foi conquistado e invadido. Essa data indicava o início da colonização portuguesa que, como as outras colonizações europeias, além da exploração de recursos naturais, provocou genocídios históricos dos povos originários.

Nos ensaios, investigamos memória, formas de luta e resistência, palavras de ordem e os diferentes significados da palavra “descobrir”. Os artistas pesquisaram o corpo nu e suas possibilidades de criar figuras fantasmáticas e inusitadas.

Aquilo de que Somos Feitos estreou em julho de 2000, no Espaço Cultural Sérgio Porto, Rio de Janeiro, com apoio da Compagnie Maguy Marin, da França, através do projeto Accueil Studio. Nesses 20 anos a peça já percorreu inúmeras cidades brasileiras e diversos países mundo afora, sendo apresentada até hoje.

Caderno Formas Breves
Em 2002, Lia Rodrigues, juntamente com a dramaturga Silvia Soter e os bailarinos da companhia, propuseram trabalhar em um encontro de dois artistas: o escritor Ítalo Calvino e o pintor e coreógrafo Oskar Schlemmer, identificando questões que moviam pontos em comum, afinidades e dissonâncias. Em comum, a discussão do homem e seu futuro e a investigação das estruturas por trás da obra artística. O movimento Bauhaus se propunha a fazer “a construção do futuro” e Schlemmer se preocupava com a relação entre o corpo com a geometria e o espaço. Em seu livro, Seis Propostas para o próximo milênio, Ítalo Calvino apontou seis qualidades imprescindíveis na literatura: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade, multiplicidade e consistência. Essas qualidades deveriam nortear não apenas a atividade dos escritores, mas cada um dos gestos de nossa existência.

Enquanto Schlemmer nos inspirou com uma frase: “É bem simples: ter o mínimo de preconceito possível, abordar os objetos como se o mundo acabasse de ter sido criado, não se matar de tanto meditar sobre uma coisa, mas deixar que ela se desenvolva, claro que com prudência, porém livremente. Ser simples, não pobre”.

Formas Breves estreou no Centro Cultural Banco do Brasil, no Rio de Janeiro, em abril de 2002.

Caderno Pindorama
Em 2013, a artista Christiane Jatahy convidou a Lia Rodrigues Companhia de Danças a participar do projeto In Drama, em torno do livro de Clarice Lispector A descoberta do mundo. Escolhemos trabalhar em torno de uma palavra encontrada em uma das crônicas desse livro – “arfar” – e reciclamos experiências feitas com material cênico já testadas em outras criações. Essa performance aconteceu em abril desse mesmo ano na Casa França-Brasil no Rio de Janeiro.

Esse foi o ponto de partida para a pesquisa de criação de Pindorama, palavra de origem tupi que significa “terra das palmeiras” e o nome do Brasil antes da chegada dos portugueses.

Um pedaço de plástico transparente, esferas translúcidas, corpos nus, silêncio, água e o verbo arfar. Quais rituais, sacrifícios e acordos seriam necessários para a constituição de um coletivo, ainda que temporário? Como abordar, ainda uma vez, as possibilidades do estar juntos, misturando-se até a diluição? Afirmando limites e singularidades? Como criar ciclos de morte, transformação, vida?

Pindorama completa um tríptico sobre as relações entre o grupo e o indivíduo que começou com Pororoca (2009) e continuou com Piracema (2010). A estreia foi realizada em novembro de 2013 no Théâtre Jean Vilar de Vitry-sur-Seine, na França, dentro da programação do Festival d’Automne de Paris.

Caderno Para que o Céu Não Caia
Em 2015, os artistas da companhia e os alunos do núcleo de formação continuada da Escola Livre de Dança da Maré criaram um Questionário Afetivo-Cultural-Corporal para ser realizado com moradores de várias faixas etárias da Maré. Foram mais de cem entrevistas com depoimentos gravados, em que as pessoas falaram sobre suas vidas, dança, arte, expectativas para o futuro, sonhos, medos, desejos.

Esses relatos individuais, em suas dimensões políticas e estéticas, foram material de trabalho para que os artistas da companhia e os alunos da escola criassem um exercício coreográfico que foi apresentado no Centro de Artes da Maré nesse mesmo ano. A ação marcou o início da pesquisa para a criação do espetáculo Para que o Céu Não Caia. Foram nove meses de ensaios no Centro de Artes da Maré no período mais quente do ano.

Os livros Há Mundos por Vir?, de Déborah Danowski e Eduardo Viveiros de Castro, e A Queda do Céu, de Davi Kopenawa – baseado em relatos em língua Yanomami recolhidos pelo etnólogo Bruce Albert – foram fontes importantes de inspiração. “Só existe um céu e é preciso cuidar dele, porque, se ficar doente, tudo vai se acabar.” Essas são as palavras de Davi Kopenawa, o xamã do povo Yanomami da floresta amazônica. “Rompida a harmonia da vida no universo, o céu – ‘aquilo que está acima de nós’ – desaba sobre todos os que estão abaixo.”

Como não desistir, quando todos os dias somos confrontados com as forças do caos e assombrados por desastres e atrocidades? O que resta fazer? O que cada um de nós pode fazer para proteger o céu? Vamos juntar nossa força interior para manter este céu. Cada um à sua maneira. Dançamos ao ritmo de máquinas e carros, helicópteros, sirenes; dançamos com chuva e tempestade e sol escaldante; dançamos como oferenda e homenagem para não murchar, durar e apodrecer, mover o ar e expandir; para sonhar e visitar lugares sombrios; dançamos para nos tornarmos vaga-lumes; para sermos fracos e para resistir. Dançamos para encontrar uma maneira de permanecer vivos e sobreviver neste mundo de cabeça para baixo.

Para que o Céu Não Caia estreou em maio de 2016 no Teatro Hellerau, em Dresden, Alemanha.

Caderno Fúria
Como espiar o tempo em um mundo dominado por uma infinidade de imagens contrastantes – hediondas e belas, sombrias e luminosas –, atravessadas por uma infinidade de perguntas não respondidas e permeadas de contradições e paradoxos? Como espiar o tempo em um mundo de fúria? Como dar visibilidade e voz ao invisível e silenciado?

Para a criação de Fúria, construímos um grande mural em uma das paredes do Centro de Artes da Maré com imagens que colecionamos: do Brasil e do mundo, do presente e do passado; de alegria, dor, violência; medonhas e belas, sombrias e luminosas.

Começamos nosso processo criativo articulando essas figuras entre si e criando ambientes, texturas, cores e situações coreográficas e espaciais para formar um quadro-vivo (tableau vivant). Os elementos cênicos e o figurino foram criados por nós ao longo dos ensaios, reciclando materiais de outras performances. A paisagem sonora foi construída com um trecho de um minuto, repetido ininterruptamente, de uma música tradicional dos Kanak, da Nova Caledônia, território francês na Oceania.

A escritora brasileira Conceição Evaristo também foi muito importante para a nossa criação. Entre 2017 e 2018 ocorreu uma exposição sobre sua vida e seu trabalho no Centro de Artes da Maré e seus textos e depoimentos nos inspiraram em nossas improvisações.

“E quando a dor vem encostar-se a nós, enquanto um olho chora, o outro espia o tempo procurando solução” (Conceição Evaristo, 2015).

Fúria foi concebida no Centro de Artes da Maré, sede da Lia Rodrigues Companhia de Danças, e estreou em novembro de 2018 em parceria com o Festival d’Automne de Paris, no Théâtre National de Chaillot e no teatro Le Centquatre.

FICHA TÉCNICA COMPLETA
O projeto Cadernos de Criação foi idealizado e desenvolvido por: Amália Lima, Andrey Silva, Carolina Repetto, Clara Amorim, Felipe Vian, Gabi Gonçalves, Karolline Silva, Larissa Lima, Leonardo Nunes, Lia Rodrigues, Ricardo Xavier e Valentina Fittipaldi
Edição de imagem: David Costa
Música interpretada e composta por: Zeca Assumpção
Um agradecimento muito especial a: Ana Godoy, André Boccheti, Alexandre Seabra, Helena Katz, Isabelle Launay, Marina Guzzo, Ricardo Carmona, Sammi Landweer e Silvia Soter, juntamente com a equipa HAU Hebbel am Ufer, em Berlim
Produção: Lia Rodrigues Companhia de Danças e Corpo Rastreado
Uma comissão de HAU Hebbel am Ufer

SITE/REDE SOCIAL
liarodrigues.com
instagram.com/liarodriguescompanhia
facebook.com/liarodriguescompanhiadedancas/

Data e hora

02/10/21—10/10/21

Recomendação etária: 16 anos

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