Panorama de filmes revela corpos insurgentes

O público da Bienal de Dança poderá acompanhar na Plataforma Sesc Digital uma coleção de 18 filmes nacionais que colocam o corpo no centro da discussão, como território de disputas e construções de discursos, produções essas que emergiram com força estética e política no Brasil nos últimos dez anos.

Para a curadora, Amaranta Cesar, a emblemática frase do artista cênico francês Antonin Artaud – “eu não aceito não ter feito eu mesmo o meu corpo” – é portadora de uma possível tradução para a questão implicada na presença dos corpos, central nas obras da mostra. “A frase de Artaud manifesta a produtiva/performativa tensão entre a superfície de sobredeterminação histórico-cultural que assombra os corpos e o fundo de indeterminação subjetiva que os anima, impulsionando-os a contestar a história e a intervir no seu curso.”   

É como se Artaud constatasse, com espanto e angústia, “meu corpo não é meu”, “antes de mim, meu corpo já existe”. Resultado de uma trama de histórias antepassadas e estruturas arraigadas, que o abraçam enquanto ele se move, o corpo, sim, antecede e ultrapassa o sujeito. O corpo é uma história de muitos. Uma história que é, ainda, para determinados corpos, herança e ameaça de violência e trauma. Mas é esse reconhecimento – de que o corpo é, em boa medida, despossessão – que enseja as retomadas que aqui encontram formas e narrativas fílmicas, nas quais a luta travada é para reconquistar o corpo para si, reflete Cesar, professora adjunta de Cinema e Audiovisual da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), também coordenadora do Grupo de Estudos e Práticas em Documentário.

O que encontramos, nessa coleção de filmes, é, assim, a contestação do determinismo histórico e cultural e suas opressões, rumo à retomada de si para si mesmo. Uma retomada que encontra seu lema na voz e no corpo da atriz e performer mineira Grace Passô, em Vaga Carne: E que nada tem o direito de invadir o seu corpo. E que se alguma coisa invadir o seu corpo, que lhe peça licença.” 

Filme a filme, a mostra apresenta o processo contínuo, o movimento infindável de arrancar os corpos de suas heranças de controle e opressão para inscrevê-los num presente de invenção e num futuro de liberdade, numa expansão infinita. Tarefa traduzida em toda sua envergadura pelo pensador martinicano Frantz Fanon, na frase final de Pele negra, máscaras brancas: “Ó meu corpo, faça sempre de mim um homem que questiona!”. Conjuração que aqui se apresenta como um convite para dançar e agir com o cinema: Ó meu corpo, faça sempre de mim alguém que questiona!

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